quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

ai você chega com essa cara de hoje
e na boca esse gosto de ontem
vencido e esquecido na geladeira
traz escondido nas costas uma coleção
de metáforas em frases prontas
catadas a esmo de um caderno
amarelado do primeiro ano
diz que quer continuar
eu nunca gostei de gerúndio
você nunca entendeu minha língua
não vai compreender o que quero dizer
quando te falo dos pra sempre que perdemos
e dos encaixes que não somos
já faz um tempo
que os calendários não mostram
o enredo ditado sob línguas não inventadas
que seu coração surdo não traduziu
e o meu rouco, não grita mais.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

não são meus
o nome dito no escuro
a mão do gozo
a taça pela metade
o dia inteiro
a marca de batom
o verso trêmulo
a calcinha no chão
o quarto
a vista
mas são meus
o tempo de silêncio
o calo na garganta
a dor
a frustração
a confissão
a espera
esse poema
e o fim nos primeiros passos.

terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Depois de 5 anos nessa mesma onda penso que encontrei uma solidão pior que as tardes de domingo chuvoso. 5 Anos da mais que um doutorado, e doutores podem falar com propriedade das coisas. Gastei 5 anos e começo a aceitar que te perdi. Repito tanto a fração desse tempo, para me convencer de que não foi ontem.

Nada é mais feroz que a solidão que me aplaca as 2 da manhã, quando preciso fechar a janela para dormir, e o barulho do arrastar dos ferros berra e ecoa pelo quarto vazio. Sinto também uma vergonha infinita e um medo de acordar os vizinhos. Menos o casal morador do apartamento de cima, que trepou a noite toda e agora deve estar desmaiado dormindo, um na curva do corpo do outro. Penso em dar minha cama para eles, talvez seja menos sexo deles entrando pelo meu quarto a noite, se usassem minha cama firme, sólida e quase cerimoniosa. Menos inveja eu teria, e menos gatilhos para essa minha memória já tão armada.

Esses móveis que estão aqui ainda, só compõe o que falta. Não preenchem o ambiente, mas indicam as ausências. Essa cama que quero dar para os vizinhos, que sustenta meu corpo insone, e que minha agonia não preenche, o criado de madeira escura, que você gostava tanto, que ficava do seu lado do quarto, e ainda hoje tem folhas em branco na primeira gaveta, e a caneta já sem tampa, preparada para ser acionadas na urgência das listas que insistiam em te chegar no silêncio dos primeiros minutos do sono, a luminária que você acendia, mas não sem antes colocar sobre ela aquela sua blusa de dormir, desgastada, cheia da essência do seu corpo, que eu provavelmente já teria tirado de você e jogado pro alto, mirando a quina da cabeceira. Brincadeira nossa antes trepar mais gostoso que os vizinhos de cima. Você tentava com a blusa, improvisar uma cortina e proteger meu sono da luz, inutilmente, porque eu sempre acordava, mesmo que só para vigiar aquela curva linda que suas costas faziam quando você se virava na cama para escrever no criado mudo. Tentei fazer pano de chão dessa camiseta umas 300 vezes nesses últimos anos, mas nunca consegui. Ela ainda dorme debaixo do meu travesseiro surrado. Aquele que você sempre apertava entre as pernas quando dormia sozinha, só para me provocar a nunca mais fazer uma viagem de negócios. Hoje nem com a insônia me arrependo dos minutos de sonho que troquei pelos acordados olhando pra você. Você me via te olhando, pedia desculpas e justificava suas listas me contando que essas coisas nunca te vinham à cabeça entre as prateleiras de do supermercado. Se eu conseguisse abrir essa gaveta, usar essa caneta, talvez não comprasse tanto, e sempre o que sobra, e nunca o que falta. Mas tenho paúra de achar ainda alguma coisa com a sua letra lá, e eu não queria que fosse mais um não, ou outro mal entendido. Desses causados pela expectativa frustrada. Melhor vender esse criado mudo para o vizinho do apartamento da frente.

Tenho feito varias listas para ocupar a mente e lutar contra esse pensar que ontem enquanto fechava as janelas, pisou-me o peito e me fez sufocar. Não uso papel e caneta, mas esse celular novo que comprei depois de joguei o meu na parede, naquele dia de chuva em que você me ligou para dizer que não dormiria em casa, nunca mais. Ontem, aliás, choveu á cântaros de madrugada. Fiquei olhando o jardim do prédio apanhar das pedradas que a chuva trazia. Não sou só eu quem sofre pedradas em dias de chuva. Fiquei solidário a ele, mas nunca soube mexer na terra, então vou deixa-lo morrer até que alguém o salve. Também nunca soube me salvar.

Poderia dormir de janela aberta, mas prefiro fecha-la para reduzir o mundo a esse quarto. Se aqui dentro eu fico pequeno, fora daqui inexisto, e inexistir para si mesmo no meio da rua é coisa muito perigosa, porque na esperança de ficar invisível achamos que podemos também atravessar, e assim, acabo sempre com a cabeça contra um poste qualquer ou contra as placas dos pontos de ônibus, ou pior, contra a realidade de estar só.

Minhas manhãs viraram coleções de protocolos, rotinas e coisas para matar o tempo. Levanto da cama, ligo a TV logo para que as vozes preencham o ambiente. Disseram funcionar e eu obediente com receita de qualquer remédio faço, religiosamente, um copo grande de água e TV ligada num canal qualquer, um programa qualquer que nem vejo. Exceto quando tem aquela menina de sotaque gostoso que ensina receitas malucas com coisas que não sei como usar. Um dia ainda faço alguma coisa num papel manteiga, sempre quis. Soa legal falar que vai colocar no papel manteiga e por para assar. Você também não sabia cozinhar com papel manteiga. 

Tomo banho rápido, e desligo o chuveiro para ensaboar, porque economiza água, que está acabando, e também porque adoro a cobertura branca de sabão pelo corpo. Da um quê de pureza, e talvez eu esteja correndo mesmo atrás de perdão. Desenho coisas com a espuma. 

Faço café ritualisticamente, conto as xícaras de água, as colheres de pó, e ele tem sempre um sabor diferente, todos os dias, um paladar diferente que sai completamente dos meus planos certinhos. Uma deliciosa e quente surpresa de manhã. Tentei decorar o café que fiz naquele primeiro dia em que amanhecemos. Transamos tanto que acordei com o corpo irritado, e passei o dia em roupas bem largas. E precisamos de muito café para acordarmos, mas não tínhamos dormido, a verdade é que felicidade de sonho é a vida acordada, ao pé do ouvido, olho no olho, e um café passado sem pressa de sair. 

Quando saio de casa, boto os fones de ouvido para ajudar a ficar invisível, e dai pelo caminho vou inventando histórias para o que vejo. Até passar pela porta da lotérica, e ver o valor acumulado para o primeiro prêmio. Gasto todo o dinheiro mentalmente várias vezes até que a hora de voltar para casa me tire do voo. Hoje não havia nenhuma premiação especial, nada acumulado para o primeiro prêmio, e nenhuma novidade pelo caminho.

Há 5 anos você foi embora com uma desculpa esfarrapada dada ao telefone em uma noite chuvosa de janeiro. Nunca te perdoei por isso, e nunca me perdoei por não te deixar passar. Acho que quando voltar para casa hoje vou dar a cama para os vizinhos de cima, o criado para o vizinho da frente, a camisa vou queimar, e a esperança vou comer num assado com papel manteiga, e meu corpo vazio, darei para a janela.

domingo, 17 de janeiro de 2016

seu nome é um palíndromo
tão simples que já deve ter sido esgotado
por professores de primário
para explicar as coisas que ficam
seu nome é curto 
mas de teima ecoa
seu nome é rima para um mundo em palavras
seu nome não rima com o meu
mas eu queria que rimasse.

quarta-feira, 1 de abril de 2015

Ficus

clareou à sombra 
revelou o medo
de querer ficar

segunda-feira, 16 de março de 2015

Chá das 5

Moço me vende essa certeza
uma posta de alegria
pra fazer um caldo grosso
da dois molhes de doçura
meio quilo de fantasia
pra comer de colher
quero levar à vista
e pagar à prestação
que dor por inteiro não sai
mando fatiada, bem fininha
pode ser á conta-gotas
lágrimas frescas de hoje cedo
e a fornada de expectativas
posso encomendar?
bolo? quero não, enjoei
muitos já comi, regados
á chá de espera
vou passar um café
talvez o amor passe mais tarde...

quinta-feira, 12 de março de 2015

rasgou a noite 
roubando sono
promessa de saudade
sonhei desperta
iludida à dois
o sol fez morada 
no seu sorrizo